Sirene do forte


Ainda é fácil lembrar daqueles passos largos de pés pequenos sobre a areia da praia de Copacabana. Era fácil decifrar seus sonhos, rapidamente sabiam por onde ia aquela moça de saia arrastada. Passava todos os dias em frente ao meu prédio , exatamente ás 8 da manhã, em direção ao forte, eu não costumava acordar cedo mas fazia questão de estar na varanda para ve-la passar.
Com o passar dos dias, das semanas, de um mês enfim, não aguentava mais ver aquela cor meio dourada meio mulata passar tão longe de mim. Algo era surpreendente no jeito como nunca olhava as ondas ou se irritava com o barulho dos carros, o olhar era fixo no forte.
Eu nunca havia sequer visto o forte mas ouvira boatos de todas as maneiras sobre aquele local, também não tinha curiosidade nenhuma em conhecer, acabara de comprar um apartamento pequeno de frente para o mar, justamente para não precisar sair de casa e sujar meus pés com aquela areia tão branca.
Mas ela nunca olhava para cima quando passava. Não usava chapéu, logo eu imaginava que aquela pele cheirava a bloqueador solar, uma vez ou outra passava usando óculos, de longe parecia ser sempre o mesmo óculos mas não sei se minha visão era boa o bastante pra distinguir entre uma armação ou outra.
Minha rotina era acordar meia hora antes da bela passar, lavava o rosto com água fria, ligava a cafeteira e ia para a varanda pouco antes das oito, talvez fosse o medo de que algum dia ela pudesse adiantar seus afazeres e passar sem que eu pudesse vê-la, mas não, exatamente as oito lá estava ela. Em dias de chuva passava com um guarda chuva preto, mas isso foi só nos primeiros dias, nos outros ela vinha com um florido; o florido parecia antigo, provavelmente aposentara-o quando comprou o preto, mas há umas duas semanas atrás o vento não perdoou, não apenas ela deve ter perdido um guarda chuva novo. Só depois de sumir ao longe é que eu voltava para dentro e ia escovar os dentes, tomar o café e trocar de roupa para trabalhar.
Já havia pensado em descer e esperá-la passar pelo portão, assim poderia ver a cor dos seus olhos e tirar a dúvida se seus lábios eram mesmo tão grosseiros como aparentava lá do alto, mas ficar na dúvida era tão fascinante quanto imaginar o motivo de ir ao forte todos os dias. A dúvida não era algo que me fazia perder o sono ou pensar durante o trabalho, me lembro de ter pensado nela uma ou duas vezes quando estava voltando ao meu apartamento, aquela multidão me fez acreditar que eu encontraria ela dividindo passagem comigo, mas não, não era ela, nunca era ela.
Quem me ouvia dizer sobre seus cabelos ou o possível cheiro de sua pele logo imaginava uma paixão, talvez até um platonismo, mas não era nada disso, ela era só quem passava todos os dias, no mesmo horário, na mesma direção, com as mesmas roupas, a mesma expressão, sob a minha janela na praia de Copacabana.